João Filho

Boicote à vacina chinesa é o maior atentado de Bolsonaro contra a saúde pública

A postura omissa de Rodrigo Maia até aqui normaliza o projeto bolsonarista de destruição do estado. A tragédia da covid terá as digitais do presidente da Câmara.

Boicote à vacina chinesa é o maior atentado de Bolsonaro contra a saúde pública

Boicote à vacina chinesa é o maior atentado de Bolsonaro contra a saúde pública

Ilustração: The Intercept Brasil

Primeiro, o presidente da República disse que não obrigaria ninguém tomar vacina contra a covid-19, apesar de ter assinado um decreto que torna a vacinação compulsória. Ele pretendia antagonizar o governador João Doria, que afirmou que a vacina seria obrigatória em São Paulo. Depois, suspendeu o protocolo firmado entre seu ministro da Saúde e o Instituto Butantan para a compra de 46 milhões de doses da vacina criada pelos chineses. Passou então a fazer ataques contra a vacina sem base em nenhum dado científico, colocando uma nuvem de dúvidas sobre a população quanto a sua segurança. Na prática, Bolsonaro boicota a saúde da população com base em um preconceito estúpido contra os chineses.

Essa empreitada para boicotar a vacina talvez tenha sido o crime de responsabilidade mais evidente já cometido pelo presidente. Mais evidente e mais vil. Foi provavelmente o mais baixo degrau moral que um presidente já chegou. Estamos diante um atentado contra a saúde pública que, se confirmado, matará milhares de brasileiros.

A fama de genocida vai ganhando justificativas irrefutáveis. Essa é só mais uma ação de um presidente que enfrentou a pandemia se baseando unicamente em critérios ideológicos, rejeitando a ciência e, consequentemente, empurrando seu povo para a morte. O “efeito Bolsonaro” foi comprovado por uma pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ, que concluiu que, quanto mais bolsonarista uma cidade, maior o número de pessoas infectadas com a covid-19. Os pesquisadores afirmam que para cada 10 pontos percentuais a mais de votos para Bolsonaro, há um aumento de 12% no número de mortos pela doença. A politicagem barata de Bolsonaro, calcada nas paranoias anticiência da extrema direita, mata cidadãos brasileiros. Essa já não é mais uma questão de opinião. É um fato.

Esta talvez tenha sido a semana em que Bolsonaro contou mais mentiras — e olha que ele estabeleceu um padrão altíssimo no volume de mentiras durante o mandato. Primeiro, passou a questionar a falta de comprovação científica da vacina. Sim, o garoto-propaganda da cloroquina, cuja ineficácia para o tratamento contra a covid já foi fartamente comprovada, decidiu agora se fiar na ciência. Registre-se que os EUA chegaram a doar 2 milhões de doses de cloroquina para o Brasil e, logo em seguida, suspenderam seu uso para o tratamento da covid. A obsessão pelo remédio era tanto que um ex-assessor de Bolsonaro, Arthur Weintraub, sugeriu que os opositores da cloroquina deveriam ser julgados como os nazistas foram pelo Tribunal de Nuremberg.

“Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem”, afirmou Bolsonaro. Acontece que isso nunca foi um problema, já que ele destinou quase R$ 2 bilhões para a vacina de Oxford, que está no mesmo patamar de testagem da vacina criada pelos chineses e, pasmem, será fabricada com insumos farmacêuticos chineses. “Não acredito que vacina chinesa transmita segurança pela sua origem”, destilando mais uma vez seu preconceito contra os chineses. É com essa desconfiança, referenciada unicamente por mentiras espalhadas nas redes sociais, que o presidente trata o nosso principal parceiro comercial.

Essa volta à baila do preconceito contra os chineses coincide com a visita de um conselheiro de Donald Trump ao Brasil, cuja principal missão foi a de impulsionar uma campanha anti-China por aqui. Uma de suas ações foi tentar barrar a empresa chinesa Huawei do mercado de 5G por supostamente não oferecer garantias de segurança e privacidade. Portanto, os novos ataques contra a China matam dois coelhos com uma cajadada só: ataca Doria, considerado por ele seu principal rival na sucessão presidencial, e balança o rabinho para Trump — uma subserviência que é a marca da política internacional bolsonarista e que até agora não nos trouxe nada de positivo, muito pelo contrário.

Precisamos falar sobre a postura do presidente da Câmara Rodrigo Maia que, até aqui, vem normalizando o projeto bolsonarista de destruição do estado e da saúde dos brasileiros. Apesar de passar meses batendo boca com o presidente pela imprensa no auge das ameaças golpistas, o DEM, seu partido, seguiu passando pano para Bolsonaro. É o terceiro partido mais fiel ao bolsonarismo nas votações da Câmara, ficando atrás apenas de partidos de extrema direita como PSL e Patriota.

Além disso, Maia sentou sobre todos os vários pedidos de impeachment não por acreditar que não haveria votos suficientes para aprová-lo, mas, por não achar que o presidente tenha cometido crimes de responsabilidade, como disse no Roda Viva. A afirmação é uma afronta à nossa inteligência e à democracia. O que não falta para Bolsonaro são crimes de responsabilidade com provas irrefutáveis. Nem parece que estamos no país que outro dia derrubou uma presidenta por pedaladas fiscais com o apoio de Maia e seu partido.

A postura conciliatória de Maia não tem nada de republicana. Bolsonaro passou atacando instituições e impôs uma agenda genocida ao país com a chegada da pandemia. As declarações do presidente da Câmara o tornam um garantidor do bolsonarismo e ajudam a normalizá-lo. O país viveu quase dois anos assistindo às maiores barbaridades antidemocráticas da história do Planalto enquanto o chefe da Câmara tratava de colocar panos quentes. Essa postura conciliatória seria louvável se não estivéssemos lidando com um presidente com uma postura facínora, disposto a empurrar milhares de brasileiros para a cova — uma tragédia que terá as digitais do presidente da Câmara. O bolsonarismo virou o novo normal com a contribuição generosa de Maia.

A cobertura da grande imprensa tem sido cada vez mais lamentável. Depois de exaltar nas manchetes a conversão de Bolsonaro à moderação — algo que nunca aconteceu de fato —, agora trata a discussão em torno da vacina como uma disputa política normal entre dois rivais políticos. A obsessão pelo “doisladismo” que assola o jornalismo pode nos levar aos lugares mais obscuros.

Vimos por todo canto do noticiário manchetes destacando a “disputa” e a “guerra”entre os políticos em torno da vacina. “Como disputa entre Bolsonaro e Doria pode atrasar vacina”, “Em guerra da vacina, Bolsonaro ataca Doria“, “Como disputa entre Bolsonaro e Doria pode atrasar imunização dos brasileiros“. Lendo essas manchetes, fica a sensação que temos dois adversários políticos brigando por seus próprios interesses quando, obviamente, não é esse o ponto central. Trata-se de uma questão de saúde pública, em que o presidente renega a ciência e coloca a população em risco. Esse é o fato grave a ser destacado. Doria, claro, faz seu marketing em cima da coisa, mas, de fato, está cumprindo o que lhe cabe como governador para trazer a vacina.

O emprenho por tratar tudo com isenção e equilíbrio, mesmo que isso afete a precisão da informação, transformou um assunto da maior gravidade em uma mera disputa de cabo de guerra. É claro que existe um embate político por trás, como há em tudo, mas ele é irrelevante quando temos um presidente da República fazendo o diabo para sabotar uma vacina por motivos puramente ideológicos. Esse doisladismo atende aos interesses de Bolsonaro. Tudo o que ele quer é transformar a questão em uma “guerra”, uma “disputa” política. Esse tipo de cobertura tira o foco do caráter genocida do boicote do presidente à vacina.

A boa notícia é que a Anvisa liberou a importação da matéria-prima utilizada na fabricação da vacina chinesa no Brasil, mesmo depois das declarações de Bolsonaro. Dois dias antes, ele afirmou que o presidente da Agência não teria pressa em liberar a vacina. Vamos ver até onde vai o plano do presidente em boicotar a saúde do povo. A ideologia bolsonarista é uma máquina de fabricar cadáveres.

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