Candidato à presidência dos EUA pelo Partido Democrata, o senador independente de Vermont Bernie Sanders fala em evento de sua campanha na reserva natural Springs Preserve (Los Angeles, Califórnia) em 21 de fevereiro de 2020.

Estamos finalmente de acordo? Tudo o que nos disseram sobre Bernie Sanders estava errado.

Faz tempo que os críticos ignoram a popularidade de Bernie Sanders nas bases democratas de diferentes contextos sociais.

Candidato à presidência dos EUA pelo Partido Democrata, o senador independente de Vermont Bernie Sanders fala em evento de sua campanha na reserva natural Springs Preserve (Los Angeles, Califórnia) em 21 de fevereiro de 2020.

Estamos de acordo, depois das primárias dos estados de Iowa, New Hampshire e Nevada, que tudo que nos disseram sobre Bernie Sanders estava errado? Que a imprensa, os especialistas e os políticos se enganaram? Mais do que isso, que estavam completa, profunda, evidente, constrangedora e catastroficamente equivocados?

Seria preciso voltar à invasão do Iraque em 2003 para encontrar outro exemplo de tamanho descompasso das elites políticas e midiáticas norte-americanas – tão deslocadas da realidade em suas previsões e prognósticos e tão hábeis para vender mitos e desinformação. (Quando falamos de Iraque, vale lembrar que Sanders se opôs àquele conflito desastroso, enquanto seus adversários Michael Bloomberg e Joe Biden apoiaram a guerra.)

Vamos analisar alguns “comentários”, “reportagens” e “análises” sobre Sanders que vimos nos últimos meses e demonstrar como eles não fazem o menor sentido.

Ele não tem chances de ser eleito. Argumenta-se que, aos 78 anos, o senador independente pelo estado de Vermont é muito velho e excêntrico para ganhar uma eleição – além disso, os norte-americanos não votariam em um socialista. No entanto, com a vitória esmagadora de Sanders no caucus de Nevada, no sábado, o candidato já soma conquistas em três estados. Talvez seja necessário que o conceito de elegibilidade esteja de alguma forma relacionado com, de fato, vencer uma disputa eleitoral (alô, Joe Biden!).

Mas são apenas primárias, quero ver nas eleições. Bem, segundo a última pesquisa nacional CBS/YouGov, Sanders ganha de Donald Trump por uma margem (um pouco) maior do que qualquer um de seus rivais democratas.

Esqueça as pesquisas: como será a disputa nos estados que compõem o Cinturão da Ferrugem? Segundo a mais recente pesquisa UW – Madison Elections Research Center, Sanders tem uma vantagem maior sobre Trump em Michigan e na Pensilvânia do que os demais candidatos democratas. Em Wisconsin, a diferença também é de dois pontos – dessa vez, num empate com Biden e Elizabeth Warren. (A propósito, alguém que tenha cérebro realmente acredita que Bloomberg, um bilionário de Nova York, tenha mais chances no Cinturão da Ferrugem do que Sanders, um socialista da classe trabalhadora de Vermont?)

Ele tem um teto de apoio. Segundo alguns críticos, Sanders não conseguiria conquistar eleitores que não sejam de esquerda, jovens ou de sua base. Em Nevada, no entanto, o senador obteve um apoio plural de democratas que se identificam como moderados e conservadores. Como tuitou Matt Viser, do Washington Post: “A vitória de Sanders foi enfática: mais votado entre eleitores com e sem ensino superior; entre trabalhadores sindicalizados e não sindicalizados; em todas as faixas etárias, exceto acima de 65 anos… e ainda, com margem estreita, entre moderados e conservadores.”

Faz tempo que os críticos ignoram a popularidade de Sanders nas bases democratas de diferentes contextos sociais. No entanto, ele é o senador mais popular dos Estados Unidos e o candidato com os maiores índices de aprovação entre os democratas. Além disso, Sanders é o nome que, entre os eleitores do seu partido, gera maior “expectativa” de vitória sobre Trump. Como escreveu Peter Beinart no The Atlantic: “Em todo o espectro ideológico, os democratas gostam de Bernie Sanders.”

Democratas mais à direita tentaram argumentar que Sanders se beneficia dos oponentes “moderados” ao gerar divisão entre os eleitores desses candidatos. Apontaram que, somados, 54% dos votos de Iowa foram para Pete Buttigieg, Amy Klobauchar e Biden contra 44% de Sanders e Warren, enquanto em New Hampshire os três moderados obtiveram 53% contra 35% dos dois progressistas. Mas em Nevada, Sanders obteve mais votos do que Buttigieg, Klobauchar e Biden juntos. E nas disputas um a um entre os candidatos, Sanders vence todos os demais – incluindo Bloomberg, por uma diferença de 15 pontos.

Ele tem dificuldades com a população não branca. O argumento mais antigo de todos aponta que Sanders teria problemas na disputa dos votos de negros e latinos – os apoiadores do senador seriam homens brancos, os “Bernie Bros”. Esse talvez seja o mais nefasto e desonesto dos argumentos anti-Sanders. Depois de três prévias, fica evidente que o senador judeu de Vermont encabeça uma coalizão multiétnica e multirreligiosa de democratas e independentes. Na semana passada, em Nevada, estima-se que ele tenha conquistado a impressionante marca de 70% de votos latinos.

Enquanto isso, entre os eleitores negros, Sanders agora está virtualmente empatado com Biden – o qual teria uma “conexão forte” em relação a esse grupo. Alguém se surpreende que na Carolina do Sul, estado de maioria negra – muitas vezes descrita como o “muro de proteção” de Biden, já que os eleitores negros somam pelo menos 60% do eleitorado democrata –, Sanders tenha conseguido reduzir a diferença a favor de Biden, que era de 29 pontos, para apenas 5 pontos? (A Carolina do Sul parece mais o muro da fronteira com o México do que uma proteção contra ameaças.)

O programa de Sanders é radical e impopular. Segundo esse argumento, Sanders é um socialista que apoia políticas muito à esquerda não só do eleitorado norte-americano como um todo, mas também de democratas convencionais e moderados. No entanto, como já apontei, em Iowa e New Hampshire uma evidente maioria de eleitores das primárias apoiaram o programa Medicare for All em detrimento do atual sistema privado de saúde. Em Nevada, seis de cada 10 democratas se disseram favoráveis a um sistema único de saúde aos moldes da proposta de Sanders.

No âmbito nacional, a maioria dos norte-americanos (de forma mais estreita) apoia o Medicare for All, segundo a última pesquisa da Kaiser Family Foundation. Ao contrário do que diz o senso comum, portanto, é Sanders – e não Biden ou Bloomberg – o candidato realmente de centro, no sentido de defender políticas que agradam a maioria da população dos Estados Unidos.

Então Bernie Sanders será indicado como o candidato democrata à presidência na convenção nacional do partido? Provavelmente. Ele vence Trump em novembro? Não tenho a menor ideia.

A questão, no entanto, é que ele pode vencer. Sanders tem tantas chances quanto qualquer outro candidato – e talvez mais chances. Quem diz o contrário é mentiroso, tolo ou as duas coisas.

Tradução: Ricardo Romanoff

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