“Jesus é a favor do militarismo”: três dias em um grupo intervencionista no WhatsApp

“Jesus é a favor do militarismo”: três dias em um grupo intervencionista no WhatsApp

Greve dos caminhoneiros coloca gasolina em grupos que pedem intervenção militar.

“Jesus é a favor do militarismo”: três dias em um grupo intervencionista no WhatsApp

Jesus falou “dai a César o que é de César” e, se César era militar, logo Jesus é a favor do militarismo. Essa é a lógica dos mais de 200 membros do grupo “Intervenção Já!”, que acompanhamos no WhatsApp desde o último domingo. O espaço, que apoia a greve dos caminhoneiros, é usado como um depósito de correntes e memes que vão desde uma lista de falsas reivindicações dos caminhoneiros até a um vídeo “comprovando” uma suposta traição de Marcela Temer. Além disso, revela uma espécie de mundo paralelo.

O link que dá acesso ao grupo circula livremente igual a um rastilho de pólvora em conversas pelo WhatsApp. Entramos por meio dele quando decidimos tentar entender melhor o que pensam e o que falam as pessoas que defendem a volta dos militares ao poder. Existe um misto de nostalgia e um desejo imaginário de que uma ditadura, como dizem os integrantes do grupo, seria a única saída para resolver, num passe de mágica, a profunda crise institucional do país.

A todo momento, pessoas novas aparecem no grupo. Algumas adicionadas pelos próprios membros, outras graças ao link de acesso que corre as redes. Há quem entre e logo desista de acompanhar, seja pelo volume de mensagens — mais de 500 por hora, inclusive durante a madrugada —, seja pelo tom das conversas.

Há desde sequências de vídeos e fotos de caminhoneiros e manifestações a piadas com Michel Temer, textos criticando a esquerda, passagens bíblicas exaltações a militares como o General Villas Boas e mensagens pró Jair Bolsonaro. As publicações trazem tanto indignação com o governo atual, quanto com o comunismo e com quem corre aos postos para abastecer.

A veracidade do material postado é questionada pelos integrantes do grupo com frequência. Conteúdos antigos são reciclados e apresentados como acontecimentos relacionados à greve. Como é possível ver no print abaixo:

No dia 29, um dos participantes publicou um vídeo seguido de uma mensagem sobre 400 caminhoneiros do Chile, Paraguai e da Argentina que teriam chegado ao Brasil para apoiar o movimento. Imediatamente alguém questionou: “Isso preocupa. A troco de que alguém viaja para o Brasil para ficar parado sem gasolina?” Como resposta, um outro membro diz que o questionamento era “fake news”.

A greve é usada como ponto de partida para falar da intervenção – que não era uma reivindicação dos caminhoneiros. Em entrevista ao Huffpost, o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros, José da Fonseca Lopes, um dos líderes do movimento, afirma que os intervencionistas não permitem o fim da greve. Eles estariam ameaçando quem quer voltar a trabalhar e impedindo o deslocamento de caminhões.

A cada nova atualização surge um “URGENTE” ou “ATENÇÃO”, assim, em maiúsculas mesmo, em alguma mensagem sobre a iminente chegada dos militares a qualquer local do país. No grupo – onde alguns se identificam como caminhoneiros ou familiares de grevistas, mas a maioria não tem relação com o setor e faz campanha para Jair Bolsonaro –, uma parte dos integrantes parece convicta que ninguém vai arredar o pé das estradas enquanto o Michel Temer não cair.

Uma das integrantes, ao que tudo indica, a criadora do grupo no WhatsApp, reclamou do teor de algumas conversas, que segundo ela, não fazem parte do propósito dos intervencionistas. “Estamos perdendo o foco aqui gente, se continuar assim, não vai ter outro jeito. Vou acabar com o grupo. Se for para ficar vendo mentira, basta ficar na frente da televisão vendo as notícias que passam nos jornais.” Outro participante pediu ordem e ironizou: “esse grupo está parecendo a Venezuela. Uma bagunça generalizada”.

A parte mais suja do jogo

Para Pablo Ortellado, professor e pesquisador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, o papel do WhatsApp durante a greve foi exatamente esse, disseminar desinformação e boatos – que ele chamou de “a parte mais suja do jogo”. Quando alguém recebe uma informação que corrobora com aquilo que a pessoa acredita, explica, entra em cena o viés de confirmação. O conceito propõe que o indivíduo absorva mais facilmente alegações que confirmam suas posições ideológicas, mesmo que não sejam verdadeiras.

Uma das últimas mensagens que acompanhamos antes de deixar o grupo na manhã desta quarta-feira (29) dizia que o jornal espanhol “El País” havia publicado um artigo questionando como um país que reúne milhões de pessoas em uma marcha gay ou a favor da maconha não se mobiliza contra a corrupção. A postagem não vinha acompanhada de qualquer link que levasse ao texto, porém, os membros do grupo vibraram com o suposto reconhecimento internacional da opinião compartilhada por eles: “bem isso, o povo merece o governo que tem. Vergonha, viu”.

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