O presidente do IBAMA, Eduardo Fortunato Bim, durante audiência pública na comissão de minas e energia da Câmara, para debater derramamento de petróleo cru no litoral do nordeste brasileiro.

Homem de Salles no Ibama aproveita carnaval e libera geral a exportação de madeira nativa

Nomeado pelo ministro, presidente do instituto contraria parecer de técnicos para atender empresários e extingue fiscalização de embarque de cargas.

O presidente do IBAMA, Eduardo Fortunato Bim, durante audiência pública na comissão de minas e energia da Câmara, para debater derramamento de petróleo cru no litoral do nordeste brasileiro.

A pedido de duas associações de madeireiros, o presidente doIbamacontrariou um laudo assinado por cinco técnicos de carreira da casa e acabou com a necessidade de que o órgão de fiscalização ambiental autorize a exportação de cargas de madeira retirada das florestas do país. A decisão está num documento assinado em plena terça-feira de carnaval.

Enquanto o país aproveitava o feriado, Eduardo Bim eliminou uma barreira legal que existia há oito anos e afrouxou a fiscalização sobre todas as empresas do país que derrubam e exportam madeira nativa. As duas associações que pediram e conseguiram a medida acumulam condenações a multas que somam R$ 15 milhões, em valores desatualizados.

Bim foi o primeiro nome anunciado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para compor sua equipe, ainda em dezembro de 2018.

Servidor de carreira da Advocacia-geral da União, Eduardo Fortunato Bim assinou em 2018 uma carta de juristas que anunciaram voto em Jair Bolsonaro no segundo turno. À época, era subprocurador do Ibama. Em textos jurídicos, defende a simplificação da legislação ambiental brasileira.

No início de fevereiro o superintendente do Ibama no Pará já havia emitido uma autorização retroativa de exportação. Com isso, ele resolveu o problema de cinco contêineres de madeira que haviam sido embarcados sem a licença do órgão por uma empresa britânica chamada Tradelink e acabaram retidos nas alfândegas dos países de destino.

O superintendente é um coronel aposentado da PM de São Paulo também nomeado por Salles. Com a medida, ele salvou a Tradelink de perder cargas que, somadas, valiam R$ 795 mil. A empresa acumula R$ 5 milhões em multas do Ibama – das quais pagou míseros R$ 12 mil. Caso o despacho de Bim já estivesse em vigor, Walter Mendes Magalhães Junior não precisaria ter feito algo que não está previsto nas normas do instituto.

O superintendente justificou a medida pelo “número reduzido de servidores” e a “grande demanda processual e fiscalizatória”. Em vez de nomear gente para fiscalizar as cargas e autorizar a saída de produtos de empresas que seguem a legislação, o presidente simplesmente eliminou a necessidade do Ibama fazer isso. É como se a Anvisa, alegando falta de mão de obra, adotasse como regra liberar todos os medicamentos para consumo sem análise prévia.

Em uma nota divulgada em jornais locais, o Centro das Indústrias do Pará celebrou a decisão de Bim, que “colocou em ordem as exportações de madeira legal e autorizada do Brasil e, particularmente, da Amazônia”.

A nota dos industriais paraenses fala em “mal” causado pelo Ibama a madeireiros e em “esperança” com a decisão assinada por Eduardo Bim – que é criticada por servidores de carreira do órgão.

Entre os servidores do Ibama, a decisão causou perplexidade. “Essa medida prejudica o nosso controle sobre as cargas que são exportadas, que é quando verificamos se elas têm origem legal. Com isso aumentam as chances de quem vende madeira ilegal sair impune”, nos disse um deles, sob a condição de anonimato.

Entidade de madeireiros que fez lobby por mudança na lei reúne empresas que colecionam R$ 15 milhões em multas ambientais.

Uma das entidades que pleiteou e obteve a decisão é a Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Pará. Conhecida pela sigla Aimex, ela reúne 23 empresas do setor que somam R$ 15,17 milhões em multas do Ibama por desmatamento entre 2003 e 2018. Os dados, públicos, são do próprio Ibama, embora o sistema que os reúne não seja atualizado desde outubro passado.

Cinco das 23 madeireiras e o dirigente de uma delas receberam sanções milionárias do Ibama por desmatamento. Todos têm participação direta na gestão da Aimex. Ari Zugman, da Brascomp, multada em R$ 1,27 milhão em 2003, é suplente do conselho de administração. Membro do conselho fiscal, Geraldo da Silva Junior, é sócio da Madeireira Ideal, multada em R$ 1,02 milhão em 2016.

A Rondobel Indústria e Comércio de Madeira, autuada em R$ 4,03 milhões em 2010, tem dois representantes na direção da entidade: Vinícius Belusso, suplente do conselho fiscal, e Fernanda Belusso, do conselho de administração. Outra empresa do grupo, a Rondobel Serviços Florestais, foi autuada em R$ 1,76 milhão em 2016.

O presidente do conselho fiscal da entidade, Arnaldo Andrade Betzel, é o único dos dirigentes a receber multas como pessoa física. Foram R$ 2,19 milhões, em 2018. Ele é sócio da Benevides Madeiras. A Tradelink Madeiras acumula R$ 4,9 milhões em multas em 2010 e 2017. A empresa é representada no conselho de administração da Aimex por Leon Robert Weich.

Pouco se sabe sobre a outra entidade que fez lobby no Ibama pela mudança, a Associação Brasileira de Empresas Concessionárias Florestais. Ela foi formalizada em dezembro de 2018, dias antes da posse de Bolsonaro. Não há nada a respeito dela na internet, exceto o esqueleto de um site sem nenhuma informação. Ainda assim, a Confloresta teve seu pleito atendido pelo Ibama. Quem assina o ofício da entidade é Fernanda Belusso, também da Aimex e da autuada Rondobel.

Mudança a toque de caixa

A vitória dos madeireiros sobre a preservação ambiental está contada num processo interno do Ibama que obtivemos pela Lei de Acesso à Informação. Em breves 22 dias, 18 documentos mostram como os interesses de quem vende madeira retirada da floresta colocaram no bolso os argumentos de servidores de carreira do principal órgão de fiscalização ambiental do país.

Os empresários bateram oficialmente à porta do presidente do Ibama em 5 de fevereiro. Foi quando a Aimex e a Confloresta enviaram um ofício pedindo a revogação de uma norma do Ibama de 2011 que prevê a necessidade de autorização do órgão para exportação de produtos florestais. A norma tem o peso de uma lei: quem não cumpre corre o risco de pagar multa.

Ironicamente, a posse de Bolsonaro piorou a vida dos madeireiros ao longo de 2019. Ricardo Salles agiu para paralisar a fiscalização, o que acumulou pedidos de liberação nos escaninhos do Ibama. Os empresários do Pará cansaram de esperar e decidiram resolver o problema de forma radical: passaram a ignorar a norma, embarcando madeira nativa sem pedir licença ao órgão ambiental. Para isso, se aproveitaram de uma brecha nas regras do Siscomex, o sistema de comércio exterior do governo federal. O Pará é um dos três maior produtores de madeira nativa do país e responde, ao lado de Mato Grosso e Rondônia, por 75% da produção.

A artimanha, contudo, durou pouco. Em janeiro, os países de destino das cargas – a começar pelos Estados Unidos – passaram a exigir o documento do Ibama que liberava a mercadoria. Ele não existia.

Com isso, como choramingam os madeireiros no ofício a Eduardo Bim, “várias cargas de madeira deixaram de ser embarcadas ou passaram a ser retidas nos portos de destino”. Foram situações como essa que levaram o ex-PM e superintendente do Ibama no Pará a atropelar as normas para tentar evitar o prejuízo de quem havia descumprido uma norma em vigor.

A autorização garantia que o exportador não estava colocando no contêiner uma carga diferente da que declarou.

O pedido dos madeireiros foi levado à análise de cinco servidores da diretoria de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas, a DBFlo. Em nota emitida no dia 13, os analistas ambientais deixaram claro que não era possível atendê-lo. A autorização, argumentaram, funciona como uma contraprova para as informações que a empresa fornece às autoridades aduaneiras.

Dito de outra forma, é o documento que comprova que os produtos que estão na carroceria do caminhão são os mesmos da nota fiscal. “A autorização garante que o exportador não está colocando no contêiner uma carga diferente da que declarou”, afirmou um dos técnicos que falou à reportagem.

A “informação prestada pelo usuário é produzida em um sistema fora da governança do Ibama (…). Por esta característica, existe a possibilidade de erro ou má-fé do usuário. Aí reside a importância de confrontá-lo”, explicaram os técnicos do Ibama no documento.

Mas o alerta dos servidores começou já começou a ser desconsiderado pelo próprio diretor da DBFlo, João Pessoa Riograndense. Em manifestação técnica publicada no dia 17, ele sustentou que o Ibama pode combater fraudes por meio de seu sistema de controle, e fazer inspeções periódicas apenas em cargas suspeitas, por amostragem.

O documento serviu de base para que Bim atendesse à vontade dos empresários uma semana depois.

Ao final das 11 páginas do despacho em que basicamente repete argumentos do diretor da DBFlo, Bim realizou o desejo dos madeireiros. No mesmo texto, determinou que as autoridades aduaneiras e a Câmara de Comércio Exterior, do Ministério da Economia, fossem informadas imediatamente sobre a nova norma em vigor.

Em dado momento de seu despacho, o presidente do Ibama chega a mencionar uma norma recente, de 21 de fevereiro, para garantir que o Ibama terá acesso “a posteriori” – ou seja, após as exportações – aos dados de exportação informados pelas empresas, de forma a identificar eventuais irregularidades.

O argumento gerou piadas entre os servidores. “Quer dizer que só vamos olhar depois que já estiver exportado. Aí adianta fazer alguma coisa?”, lamentou um deles, que pediu para não ser identificado por temer represálias.

O presidente do Ibama, Eduardo Bim, participa de reunião no Ministério da Defesa para tratar do desastre ambiental causado pelo vazamento de óleo no litoral do nordeste brasileiro.

Eduardo Bim é servidor de carreira da Advocacia Geral da União e assinou, em 2018, carta de juristas que pediram voto para Jair Bolsonaro.

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

A partir da decisão do presidente do Ibama, será exigida autorização apenas para exportação de madeira de espécies ameaçadas de extinção ou em condições especiais. Trabalhos de fiscalização do Ibama costumam flagrar, inclusive em contêineres já prontos para serem exportados, grandes quantidades de madeira extraída ilegalmente da floresta.

Em setembro do ano passado, após duas operações contra fraudes na exportação, o chefe da Polícia Federal no Amazonas, delegado Alexandre Saraiva, estimou que 90% da madeira que sai da Amazônia é ilegal. No Pará, uma das maiores operações dos últimos anos, em 2010, apreendeu cerca de 4 mil metros cúbicos de madeira ilegal – o equivalente a 160 caminhões cheios – por fraudes na documentação.

“Achamos várias irregularidades: espécie declarada diferente da encontrada nos contêineres, madeira declarada como se fosse resíduo florestal, e até mogno, que corre risco de extinção, sendo exportado”, diz um servidor que participou daquela operação. “Sem o controle efetivo do Ibama, aumentam as chances de episódios como esse”, prevê.

Ironicamente, a decisão obtida pelos madeireiros vai prejudicar quem trabalha seguindo as regras ambientais. Em grandes mercados, o aval do Ibama era uma garantia de procedência e de que a madeira havia sido abatida e exportada com respeito ao meio ambiente deve reduzir as compras de produtos brasileiros.

Procurado, o Ibama negou que a dispensa de autorização vá fragilizar o controle sobre as exportações de madeira. Em nota enviada ao Intercept, o Instituto afirma que tem como identificar fraudes com antecedência “para eventuais abordagens fiscalizatórias, nas quais é conferida a equivalência entre a carga e a documentação exigida”. Mas servidores ouvidos pela reportagem e que atuam diretamente na fiscalização afirmam que o mecanismo é insuficiente.

Perguntamos ainda há quanto tempo as empresas do Pará vinham descumprindo a regra e exportando sem a autorização, como o próprio presidente do Ibama reconheceu em despacho. O órgão desconversou e disse que “não há irregularidades” na exportação daquelas cargas.

Também questionamos a Aimex a respeito das irregularidades que vinham ocorrendo no Pará e a decisão do Ibama. Ouvimos que a associação não irá se manifestar. Também procuramos a presidente da Confloresta, Fernanda Belusso, a quem também perguntamos sobre a Rondobel, que deve multas ao Ibama. Não tivemos resposta.

A Tradelink afirmou em nota que “cumpre e sempre cumpriu as normas ambientais vigentes”.  Sobre ter sofrido R$ 5 milhões em multas por desmatamento desde 2010, a madeireira afirmou apenas que tem exercido seu direito à ampla defesa.

As demais empresas citadas também foram consultadas, por telefone e e-mail, desde a segunda-feira (2), mas nenhuma respondeu aos questionamentos.

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