Brazilian BOPE police elite unit personnel patrol during an operation at Rocinha shantytown in Rio de Janeiro, Brazil on April 12, 2013.  AFP PHOTO/VANDERLEI ALMEIDA        (Photo credit should read VANDERLEI ALMEIDA/AFP/Getty Images)

Corpos decapitados, racha entre facções e polícias às cegas: um fim de semana no Rio de Janeiro

Corpos carbonizados e decapitados nas favelas são consequência da falta de investimento em inteligência e coordenação. O cenário é perfeito para ação de organizações criminosas.

Brazilian BOPE police elite unit personnel patrol during an operation at Rocinha shantytown in Rio de Janeiro, Brazil on April 12, 2013.  AFP PHOTO/VANDERLEI ALMEIDA        (Photo credit should read VANDERLEI ALMEIDA/AFP/Getty Images)

O caos, as mortes e desgoverno que tomaram o Rio de Janeiro no último fim de semana são um resumo da atual situação de uma capital que segue sem governo. Na Zona Norte, o Comando Vermelho tentou tomar o Morro do Juramento dos Amigos dos Amigos (ADA) na sexta (15). Na Zona Oeste, a milícia tomou o Morro do Nogueira da ADA e transmitiu ao vivo no Facebook no sábado (16). Na Zona Sul, uma disputa interna pelo controle do tráfico na Rocinha deixou pelo menos dois mortos, no domingo. Mas tudo seguiu tranquilo para quem ia para o Rock in Rio. #Prioridades

As Polícias Civil e Militar e a Secretaria de Segurança sabiam dos planos de Nem da Rocinha, ex-chefe do tráfico na favela, de tirar Rogério 157, o RG, do comando. Mas, segundo as polícias, nada foi feito porque a Secretaria de Segurança não forneceu informações que permitissem o planejamento das ações que poderiam ter evitado que ao menos 10 carros com cerca de 50 homens entrassem na Rocinha para o embate.

Como esses carros chegaram ali, vindo de onde? Como meia centena de homens armados tem total liberdade para circular pela cidade e subir uma favela que tem Unidade de Polícia Pacificadora e fica em frente a uma delegacia?

“Não nos passaram o que aconteceria de verdade.”

O que houve na Rocinha é fruto do claro descompasso entre instituições de segurança para a coordenação de ações e da falta de liderança. Questionado sobre a polícia não ter contido a tentativa de invasão e evitado o tiroteio, o Major Blaz, porta-voz da Polícia Militar, disse que a inteligência da PM aponta, desde o início do ano, a ruptura entre Rogério e Nem. Mesmo assim, nenhuma ação foi planejada:

“Como eu já disse, a PM lida com 1200 comunidades carentes. Todas elas apontando sinais de invasão. Então eu preciso de dados muito mais apurados do que a minha corporação tem acesso para poder, realmente, ter um trabalho mais específico. Eu lido com a ponta da linha. Meu trabalho é policiamento na rua. Então, serviço de investigação não é com a Polícia Militar. Eu preciso de dados muito mais apurados do que a minha corporação tem acesso para poder, realmente, ter um trabalho mais específico.”

Já o delegado da região, Antônio Ricardo, quando questionado sobre a razão de não terem agido para evitar a invasão, jogou a bola para a PM e disse que “a situação da Polícia Militar não é a mesma da Polícia Civil”:

“Eles estão lá no local, e a gente troca informações. Evidentemente, o planejamento da ocupação da comunidade é feito pela PM. Eles têm o planejamento deles. Então acho que essa pergunta [sobre não agir antes da invasão] deve ser direcionada para a PM”, esquivou-se. “Não nos passaram o que aconteceria de verdade. Nós sabíamos a informação superficial. Não tínhamos detalhamento”, reiterou.

O Delegado se referiu a Secretaria de Segurança. Questionada sobre deixar policiais trabalhando às cegas, sem informação, a SESEG reenviou uma nota que já havia sido divulgada pela manhã, desconsiderando completamente as perguntas enviadas.

Mais uma vez, os danos que podem ser causados pelo desdém da Secretaria de Segurança e pelo descontrole do Governo do Estado ficam claros.

“A Polícia Militar sozinha não vai resolver essa situação.”

“Estamos lidando há alguns meses com escassez de recursos materiais e humanos. Isso já mostra que a Polícia Militar sozinha não vai resolver esta questão”, justificou o Major Ivan Blaz, porta-voz da PM sobre a corporação não ter intervindo para evitar nove horas de tiroteios entre grupos liderados por Nem e Rogério.

Blaz colocou a culpa das disputas entre facções também nas audiências de custódia,”que colocam nas ruas alguns criminosos que foram presos alguns dias atrás”, e nas progressões de regime previstas em lei: “Colocar estes homens em liberdade só tem um resultado: isso [embates entre facções]. Quando colocados em liberdade eles tentam reiteradamente conquistar ou reconquistar o terreno que um dia foi seu”.

Na verdade, as audiências de custódia não reduziram as prisões provisórias no Estado de forma significativa. E vale pontuar que Antônio Bomfim Lopes, o Nem da Rocinha, nunca foi beneficiado por nenhuma das medidas citadas. Foi ele quem, mesmo preso desde 2011, coordenou o embate que ainda não terminou.

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Antônio Ricardo, delegado titular da 11ª DP, na Rocinha, afirmou que não teve acesso a informações da Secretaria de Segurança.

Foto: Cecília Olliveira/The Intercept Brasil

Por um lado, o major tem razão. Não há como colocar a culpa exclusivamente na PM. The Intercept Brasil perguntou à Secretaria de Segurança Pública como as invasões são monitoradas, como as ações são definidas em caso de detecção de ameaça e quais medidas são tomadas a partir de então. As perguntas não foram respondidas. Repórteres de vários outros veículos também tentaram obter algum posicionamento do secretário, Roberto Sá. Todos ficaram sem resposta.

Sá só apareceu nesta terça (19), depois de ser criticado ao vivo no Jornal da Globo. Só então admitiu que sabia dos indícios da invasão e jogou a culpa no Comandante da Rocinha. Pezão, governador do Estado, parece um ser inanimado, apenas se equilibrando no cargo para não ser preso ou sofrer impeachment. Demorou quatro dias para se manifestar sobre as invasões e quando apareceu, mostrou sua prioridade: “A hora de ir pro Rock In Rio era a hora de entrar na Rocinha?”, disse ao vivo, no RJTV. O dançarino Pablinho Fantástico, do Dream Team do Passinho, saiu de casa para se apresentar com Alicia Keys no festival, mas não pode voltar para casa, na Rocinha.

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Rastro de destruição deixado pela disputa entre os grupos de Nem e Rogério 157 pelo controle do tráfico de drogas na Rocinha.

Fotos: Polícia Civil do Rio de Janeiro

Só neste último fim de semana, 17 pessoas foram mortas – entre elas, um fuzileiro naval, um policial militar e um bombeiro. Houve 53 tiroteios/disparos de arma de fogo, de acordo com o aplicativo Fogo Cruzado*. Deste total, sete mortes aconteceram no Juramento, na Zona Norte do Rio. A favela estava sob domínio do Comando Vermelho, mas virou ADA quando a facção foi criada, nos anos 90, e abrigou, ao longo dos últimos anos, muitos traficantes deslocados pela pacificação.

Na Rocinha,entre a madrugada de domingo e segunda, quatro pessoas foram mortas (duas delas decapitadas e carbonizadas) e três moradores foram baleados – entre eles, um adolescente deficiente. Isto, oficialmente. Moradores falam em ao menos 10 mortos.

Inteligência?

Esta semana, o Ministro da Defesa disse que falta planejamento da Secretaria de Segurança para atuação das Forças Militares no Estado. Mesma percepção exposta pelo então Diretor de Operações do Comitê Rio-2016, general Marco Aurélio Vieira, em um evento realizado à época do anúncio do envio de tropas federais ao Rio em 2016. “Hoje nós temos 56 polícias: 27 Polícias Militares, 27 Polícias Civis, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal. Nenhum sistema de informações fala com outro”, disse ele, que criticou especialmente o sistema de informações do Rio. “O indivíduo com um 5G na mão coordena mais que o Centro de Coordenações hoje existente no Rio de Janeiro. Um indivíduo dentro do morro com um 5G tem uma capacidade coordenação incrível”, disse.

Ou seja, por incompetência do Estado, policiais e moradores ficaram largados à própria sorte durante intensos tiroteios. Autoridades sequer se dignaram a responder a imprensa e informar cidadãos para os quais trabalham. Na verdade, nada disso é surpresa, já que o setor de Inteligência não teve sequer um real no orçamento da Segurança Pública do Rio em 2016. A fatura chegou.

*Cecília Olliveira é gestora de dados do Fogo Cruzado

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